2018 - Rosa Esteves - Impressões: sentimentos do corpo
Exposição com curadoria de Vera d'Horta realizada no Sesc Santo André
Arte contemporanea
Instalação de todo coração, 2018
Os processos criativos de Rosa Esteves lidam intimamente com a condição feminina em suas muitas variáveis – delicadeza, aparente fragilidade, fecundidade, o poder silencioso da metamorfose, a possibilidade de dar vida a outros seres, a capacidade de entrega e de subversão do pudor, o oferecimento do próprio corpo à causa despudorada da criação.
Corpos são a principal matriz dos trabalhos impressos da artista, resultem eles em gravuras ou objetos tridimensionais. Diferentes formas naturais vêm-se multiplicando em sua produção – às vezes são conchas, ouriços e estrelas do mar, outras vezes o corpo da artista ou fragmentos dele. Uma matriz redonda de argila, na qual seres marinhos foram decalcados, recebe tinta de impressão e rola, levada pelo movimento das mãos, sobre uma folha de papel. O resultado é a Gea Fractal, uma gravura peculiar, com infinitas possibilidades de traçado, que registra, no vaivém das sobreposições, aqueles seres do mar.
Em outras moldagens, Rosa utiliza sua anatomia, dando origem a peças de resina de poliéster chamadas, muito a propósito, de Fragmentos de corpo. Essa experiência já teve sua versão antropofágica, em que os moldes – bocas, narizes, dedos, seios e porções maiores do torso – foram produzidos em chocolate e oferecidos ao público na performance Corpo comestível, apresentada a partir de 2004 em vários espaços no Brasil e também na cidade de Frédéric, no estado norte-americano de Maryland.
Nos dois trabalhos chamados Vestígio de corpo, como o nome diz, os registros anatômicos são sutis, não guardam o calor do corpo vivo. Ainda se distinguem os seios sequenciados, o torso fatiado, mas a sensualidade é abafada pela repetição e junção entre as partes. As peças em gaze gessada moldam um novo volume, voltado sobre si mesmo como um casulo, como nas esculturas em cerâmica de nome Mater.
O prazer de manusear o barro está presente nas Pupas, pequenas bonecas de sexo e seios enormes em relação à sua estatura reduzida. São esculturas de cerâmica, de valor simbólico como os ícones pré-históricos da fertilidade. Nas Nutritivas, a boneca de barro vai sendo destruída à medida em que as sementes brotam e de desenvolvem. Rosa volta a utilizar o próprio corpo na série das Deusas, cobrindo-se de tinta guache e imprimindo-se sobre papel. Ela usa o vermelho e o negro, mas é inevitável a lembrança dos torsos azuis de Yves Klein.
A história familiar sempre mereceu da artista uma atenção especial. Os corações iluminados representam uma homenagem penosa, mas necessária, a uma das personagens de sua memória afetiva. O corpo infantil permanece lembrando, no adulto, os sobressaltos, os sentimentos confusos deixados pela lembrança de casas escuras povoadas de cantilenas sombrias e loucas palavras de sentido partido.
Vera d’Horta, curadora